Como a alimentação pode auxiliar nos sintomas apresentados por crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA)?

Você já parou para se perguntar se os alimentos que está oferecendo para o seu filho podem interferir de alguma forma nos seus sintomas? Os estudos têm cada vez mais revelado que os fatores ambientais, psicossociais e biológicos podem influenciar significativamente na sintomatologia e desfecho apresentados por crianças com TEA. E é claro, os hábitos alimentares também estão inseridos neste contexto.
alimentação criança

Você já parou para se perguntar se os alimentos que está oferecendo para o seu filho podem interferir de alguma forma nos seus sintomas?  Dificuldades para dormir? Intestino não funciona regularmente? Agitação ou irritabilidade extremas?

Já me questionei incontáveis vezes, não só por ser nutricionista e estar em contato com essas famílias diariamente, mas também por acreditar verdadeiramente que os nossos hábitos alimentares podem sim mudar a rota de muitas desordens apresentadas. Não de forma isolada ou milagrosa, mas como coadjuvante indispensável no tratamento.

Por isso, resolvi me aliar a outros pesquisadores da área e me debrucei a estudar sobre o tema com mais profundidade. Inclusive, também realizei um estudo de campo, com foco nos hábitos alimentares das crianças com TEA e os sintomas apresentados.

Corroborando com os meus achados, os estudos têm cada vez mais revelado que os fatores ambientais, psicossociais e biológicos podem influenciar significativamente na sintomatologia e desfecho apresentados por essas crianças. E é claro, os hábitos alimentares também estão inseridos neste contexto.

Em análise de todos os grupos alimentares foram encontradas relações entre:

Glúten (proteína presente na farinha de trigo, cevada, centeio e malte) e caseína (proteína presente no leite e derivados): redução de sintomas gastrointestinais, sensibilidades alimentares, sintomas comportamentais e interação social, com a realização de dietas específicas;

– Proteínas de origem animal (carnes e ovos): a insuficiência no consumo dietético deste grupo alimentar, principalmente para àquelas crianças que apresentam restrições alimentares, não somente pode causar deficiências de micronutrientes (vitaminas do complexo B, vitamina A, zinco, ferro, etc), como também atraso no neurodesenvolvimento, visto que são essenciais para formação saudável dos neurônios. Assim, sintomas de irritabilidade, hiperatividade, déficit de atenção e irregularidades no sono, podem ser decorrentes destas alterações cerebrais;

– Alimentos ultraprocessados (guloseimas no geral, fast food, embutidos, congelados): apresentam elevados teores de gorduras saturadas e trans, açúcares e sódio, os quais contribuem com aumento da obesidade e sedentarismo, agitação psicomotora, ansiedade e alterações no sono. O consumo desses alimentos está associado à produção de radicais livres, e consequentemente, estresse oxidativo, o qual poderá favorecer de forma expressiva para a inflamação neuronal e agravo dos sintomas também;

– Alimentos in natura (frutas, legumes e verduras): as pesquisas mostraram-se desfavoráveis com relação a capacidade antioxidante desempenhada por crianças com TEA, com o envolvimento de polimorfismos genéticos de enzimas antioxidantes ligadas aos níveis séricos do Superóxido Dismutase (SOD).  O baixo consumo deste grupo alimentar resultou em alterações comportamentais e gastrointestinais. As desordens gastrointestinais (dores epigástricas, refluxo gastroesofágio (RGE), distensão abdominal, flatulências, diarreia ou constipação) chegam a ser 4x mais prevalentes nestas crianças, por diversas razões, que vão desde inflamações por má absorção de nutrientes, intolerâncias e/ou alergias alimentares até uma comprovada disbiose intestinal (assunto para outro artigo).

O texto ficou um pouquinho extenso, porém é inegável a importância do conhecimento e manutenção de adequados hábitos alimentares, os quais sejam balanceados e personalizados, oferecendo todos os nutrientes necessários para um desenvolvimento infantil saudável. Pois mesmo quando a alimentação não for a causa primária de alguma queixa, poderá influenciar em desordens já instaladas, contribuindo negativamente para o tratamento e evolução clínica das crianças.

E por isso, não me canso de bater nesta mesma tecla, de cuidar do que está ao nosso alcance, nas nossas mãos. Mudanças, muitas vezes simples, mas que farão toda a diferença. Eu sei e vivo isso diariamente, do quanto pode ser desafiador colocarmos em prática, mas você não está sozinho (a). Aos pouquinhos as peças vão se encaixando. Acredite!

 

Referências

Brandão MF, Costa AN, et al. Características socioeconômicas, demográficas e nutricionais de crianças com transtorno do espectro autista. Demetra, Alimentação Nutrição & Saúde. 2023.

 

Babinska K, celusakova H, Belica I, et al. Gastrointestinal symptoms and feeding problems and their associations with dietary interventions, food

supplement use, and behavioral characteristics in a sample of children and adolescents with autism spectrum disorders. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(17).

 

Dargenio VN, Dargenio C, Castellaneta S, et al. Intestinal barrier dysfunction and microbiota–gut–brain axis: possible implications in the

pathogenesis and treatment of autism spectrum disorder. Nutrients. 2023 Apr;15(7): 1620.

 

Srikantha P, Mohajeri MH. The possible role of the microbiota-gut-brain-axis in autism spectrum disorder. Int. J. Mol. Sci. 2019; 20, 2115.

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Nathália Sorrini Fujita

Nutricionista Neuropediatra e Escritora

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